um Escrito COLETIVO. buscar a cidade transviada e crioula. a cidade em fragmentos. declarações furtivas. Sonho e fantasia para uma cidade melhor.

21.1.05

Lima Barreto em seu Diário Íntimo

Jan.1905: Ontem, à tarde, estive com o saboroso Carneiro, o Manuel Otávio, engenheiro dos esgotos de Niterói. Gosto imenso dele; é inteligente, é doce, é bom, mas há nele uma pontinha de dúvida, a meu respeito, que me apoquenta. Voltando só com ele da Rua 1o Março, fomos tomar um refresco no Cascata. Aí ele me disse: “Barreto, sou dos teus amigos o único que quer ficar obscuro. Contento-me em estudar a condução da merda dos niteroienses, e isso porque eles me pagam... etc, etc”. (...); continuando a subir pela Rua do Ouvidor acima, Carneiro foi despejando coisas dúbias, frases sem nexo, que eu decididamente não lhe compreendi o estado d`alma. Amores... Aborrecimento comigo... Falta de dinheiro... Que seria? Que desconforto lhe causaria isso, a ele, tão jovial, tão calmo sempre?

Hoje, 8, domingo: Pleno Leme. Cediço. Nada novo. Não há moças bonitas. Só velhas e anafadas burguesas. Turcos mascates e suas mulheres também. O João, um imbecil do meu gosto pessoal, o João T... B... foi comigo. Fomos ao fortim. Canhão do século atrasado. Ruínas portuguesas. Esforço dos lusos. Povoamento do Brasil. Pedro Álvares Cabral. Bandeirantes. Jacobinos idiotas, burros, ingratos. Ipanema, tal qual o Méier. Duas vezes, pelo caminho, encontrei o Serrado a cavalo. Chapéu de cortiça inglês. De branco. Pela rua, fazia o que ele tem feito sempre na vida, galopar e saltar todos e quaisquer obstáculos, fossem quais fossem. (...).

Pavorosa vontade de urinar. Passeio com o João pela avenida a construir. Cais do beira-mar. Travessa do Maia. “Ei-la”. Número 22. Que doçura de fisonomía. Pálida. Calma. Cílios poucos. Não há nela nem revolta, nem resignação. Interessa-me. Queria-a para minha mulher. Mas eu... Ah! Meu Deus! Há de ser sempre isso. Há uns tempos a esta parte, vai se dando uma curiosa cousa. Na rua, nos bondes, nos trens, eu me interesso por certas moças e às vezes por cinco minutos chego a amá-las. Procuro-lhes a moradia. Passo duas, três vezes pela porta timidamente, gauchement – onde me levará isso? (...)

Reflexões no Leme. Divertimento que, tirado dos colégios, foi fazer, no Leme, as delícias dos marmanjos – o balanço. # Há alguns ingleses com máquinas fotográficas, pavorosos; (parodiando) por que todos os ingleses não ficam na Inglaterra? # Quando se quer divertir, deve-se andar só. Os imbecis mesmo pertubam. # Se toda a humanidade desse passeios ao Leme, teria mais felicidade.

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